sábado, 23 de outubro de 2010

Let me roll it

E abaixo daquele telhado inclinado em diagonal, onde o sol entrava diretamente pela única janela do cômodo no entardecer, eu escutava o vinil tocar ao longe uma melodia baixa e bonita.

Tu tinhas teu corpo cansado descansado sobre a coberta grossa, enquanto eu apenas fitava fixamente o sol que se punha tão lentamente. E eu queria que tu estivesses fazendo o mesmo, mas tu estavas lá deitada, sonhando, completamente mergulhada na música que te prometia coisas que eu não ia cumprir.

E tu acreditavas que tudo aquilo um dia seria real, que tudo seria como na canção: mil flores, dolores e corazóns. Mas não, não, não. Sai daí e vem fitar o sol, ou me pega pelos ombros e me expulsa porta a fora, me faz descer as escadas determinado, me faz sentir nojo e ter consciência do que eu faço.

Não era mesmo minha intenção, mas eu vou ter que te dizer isso: não será o que tu esperas. Nem é o que tu achas que é.

Nunca existiu. Só foi uma confusão. E nem adianta vir com teu coração ferido pra perto de mim, não adianta pô-lo nas mãos. Eu, mais do qualquer, não deixaria que tu foste somente pra mim. Me deixa, te deixo. Vai ser o que tu podes livremente ser.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Ciclo Biológico

E daqueles longos caminhos e da longa estrada percorrida eu já estava cansada. Queria mesmo era fazer aquilo que outras vezes já houvera feito: me deitado na grama para que pudesse ver o céu o mais distante possível, mas ainda assim pudesse o contemplar de uma forma única. Sem ter que segurar as costas, sem ter que forçar o pescoço pra cima. Apenas como num leito de descanso, eu contemplaria o céu, e sonharia com tudo aquilo que havia em mim para ser sonhado.

Mas nunca fui muito sortuda. A grama sempre estava seca. Ainda assim, era reconfortante por um lado: a relva pinicante fazia-me não afundar tão dramaticamente aos sonhos, fazia-me ver que eu estava viva, que aquilo não era sonho nenhum, outrora realidade. Permitia-me apreciar o céu de todo, mas não deixava com que eu me deixasse levar por completa. A grama seca me agarrava ao chão, e, apesar de me permitir sonhar, fazia-me contemplar uma realidade imaginativa.

Dali brotariam meus sonhos doloridos, preso a realidade, preso àquilo que eu não tinha certeza mas queria. O que me reconfortava era que dos céus, meu manto sonhador e lunar, viria a chuva, e a chuva faria meus sonhos limitados crescerem.

Talvez, algum dia, eles atingiriam o céu.

sábado, 2 de outubro de 2010

Celeste

"Que está no espaço ou nele aparece"

Ah, então era assim que tu eras. Tu, tu mesmo que está aí parado feito um tolo nos muros deste velho mausoléu. Tu que vestes desta camisa vermelha um manto de proteção, uma barreira irredutível ao ver de outras pessoas. Mas comigo não iria adiantar não, eu via como eras tu.

E tu era indecifrável. Ah, eu gostava de me perder nos olhos escuros e comuns a imaginar coisas ao teu respeito. Era um desafio tentar saber das coisas quando, na verdade, eu nada sabia e podia saber sobre ti. Vê que bobo? E continuou lá, com os braços flácidos grudados ao peito, com pinta de encrenqueiro, só pra ninguém te reconhecer.

E no meio ao teu falso mistério torturante, eu pude - ah, como eu pude! - ver alguns dos teus aspectos. Eu pude ver nos teus olhos comuns o quanto que, na verdade, estavas tão entediado com tudo aquilo. O quanto tu não aguentavas nem a ti mesmo, o quanto precisava, na verdade, descruzar os braços, desgrudar as costas do muro de limo e sair correndo pela rua deserta.

Ah, pra mim você era um cometa perdido. Um meteoro devastado. Veio parar aqui e não encontrou ninguém, não se descobriu por ninguém, apenas caiu. Solito consigo. Mas quer o meu conselho? Sai mesmo desse muro, sai daí e parte pra briga: seja lá como tu pretendes agir, vá e faça. Porque te tornarás por aquilo que fizeres, então apenas faça.

Eu te admiro de algum jeito por tu ser desastrosamente assim, um meteoro deprimido, sem rumo definido, que caiu do céu pra mim.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Mon amour, mon ami

E então eu me surpreendi. Porque no fundo eu sabia que tudo aquilo tinha acabado, tinha chegado ao seu fim. Mas então, como um ventinho que não quer nada à anteceder a tempestade, vi aquele sentimento atordoante crescer dentro de mim novamente, vagarosamente, enquanto cada vez mais eu me dava conta daquilo que me cercava. Enquanto cada vez mais eu tinha oportunidade de me abrir e despejar minhas palavras, e a chance de poder ouvir da tua boca as palavras que eu nunca esperaria ouvir, mas que me surpreendiam sempre tamanha sua simplicidade. E aquele olhar severo de repente tornava-se calmo e ferido, e as íris aquosas tão límpidas quanto as de uma criança recém posta ao mundo. E então eu me perdi nos meus pensamentos e me perdi na tua imagem, só ouvia as palavras bonitas escaparem-lhe os lábios em empolgação, e você não as media e nem as analisava como costumava fazer. Apenas as deixava fugir divertidamente pela boca, enquanto teu coração entregava-te de mãos beijadas aos meus ouvidos.

Vê o que de repente acontece? Eu fico assim, toda confusa, toda penosa por te ver assim... Tão derrotado e tão acomodado com tua condição. Eu queria era chegar pra ti e dizer palavras que o fizessem sentir da mesma forma que eu me sinto quando escuto as tuas. Será que eu conseguiria fazer-te assim? Eu ainda estou por tentar. Não sei bem o que dizer, mas se tu por acaso vir a ler isto, saibas: tu me deprimes do jeito mais lindo que pode existir. E não ria da minha cara por isso, não me mal-diga por isso. Me deprimes lindamente e me trás esperança, porque nas tuas palavras eu encontro as respostas das perguntas que eu não tenho força nem de formular. Viu que tamanha complexidade? Ô cara, eu tô totalmente assim: perdida, e é tu que vem me fazendo encontrar.

Então deixa de lado essa barreira boba, esse muro de contenção que tu teima em manter. Deixa de camuflar os teus sentimentos por detrás dessas atitudes bobas de homem, deixa ser o menino belo que tu és. E mesmo que tu continues fingindo, mesmo que tu continues buscando o que tu precisas naquilo que os outros te julgam bom... Não desanima. Estou disposta a entender, e, futuramente, disposta a te fazer ver. Só peço que sorria mais, que fale mais, que encha cada vez mais meus ouvidos com o favo das tuas palavras, e que se deixe falar por mim também.

Me espera. A melhor coisa da tua vida ainda ta por acontecer, mon amour, mon ami.

domingo, 29 de agosto de 2010

Dolores

É que o problema todo é não saber que nome pôr nas coisas. Aquele amor mais-que-maravilhoso, aquele sorriso mais-que-sincero, aquele pretério mais-que-perfeito. Todas aquelas coisas que passaram, que foram vividas e que agora você só guarda lembrança no peito. E o que sentimento que te preenche é tão novo e desconhecido, que você não sabe, você não tem a mínima ideia do que seja.

E isso corrói mais ainda. Machuca. Queria eu chamá-lo de indigestão cardiovascular, mas não é tão simples assim. Não tem remédio, não tem palavra amiga e nem desdém que faça sumir. É aquela dor que dói e dilacera, e só vai passar quando o acaso te fizer sorrir. Quando algum tropeço ocorrer e tu deparar-se com aquilo que buscas: que tu não sabes nem o que é.

A única solução é deixar ir, deixar passar. O remédio nem é o tempo. É a surpresa. É aquilo que te vais ocorrer naturalmente enquanto tu não tens forças pra fazê-lo ocorrer. Leva mais tempo, leva, mas um dia a vida te surpreenderás. Sempre chega o dia.

Até lá, doerá.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Chuva de meteoros

Tenho um anseio que carrego comigo, e sei que a humanidade já está cheia deles, mas mesmo assim não consigo evitar. Consegui, por hora, escondê-lo bem no fundo do peito. No entanto, chegou o momento em que eu não pude evitar. Deparei-me com a capa de um jornal qualquer e só bastou passar os olhos pelas letras pretas garrafais. “CHUVA DE METEOROS” – era o que dizia.

Pra muitos isso talvez não viesse a significar nada, para alguns, talvez remetesse ao medo daquilo que é incerto. As pessoas têm medo do que é incerto. E para os admiradores e curiosos, aquela era a hora de correr e fazer de tudo para poder ver o magnífico acontecimento.

Pois o que se remeteu a mim não foi nenhuma das alternativas acima. Primeiro, porque onde moro, não seria possível ver. Segundo, porque as letras garrafais tinham significado além do literal. Por mais vontade que tivesse eu de ver, não era isso que mudaria minha percepção. Eu queria mesmo era entender.

E eu tentei. Eu tentei entender as pessoas. É uma prática viciante, sabe. Tentar. E ver o quanto é difícil é nada mais que estímulo para continuar. Quando finalmente achei que entendia, isso só me faz perceber a realidade de que eu nunca viria a entender por completo.

E justamente por isso, entre outros, é que as pessoas são tão interessantes. Mesmo as mais medíocres, mesmo aquelas que ignoram os meteoros: elas são interessantes por agirem assim. Todas me atraem num jeito desigual. E, além disso, carrego a curiosidade de que, sim, estranhamente, algumas pessoas eu parcialmente entendo.

Não consigo acreditar que sejam de fato pessoas. Não sei ao certo e é quase certo que nunca saberei. Mas eu gosto de chamá-las de meteoros, cometas, asteróides, estrelas. Eu gosto de acreditar que elas realmente sejam frutos do espaço cósmico, e isso não quer dizer que eu seja adepta da Panspermia. Ainda assim, gosto de acreditar que essas pessoas tão compreensivas sejam astros.

Astros que vem ao nosso mundo para nos fazerem tentar entender. Que nos instigam a estudá-los, observá-los, descobri-los e pôr-lhes nomes. Que fazem sentirmo-nos tão pequenos e redutíveis ao que cada um de nós chama de “meu mundo”.

Afinal, não é assim mesmo que a gente se sente? A vida nunca foi explicada. Ninguém sabe ao certo o que é. Mas todo mundo sabe que quando uma dessas nasce, é pra valer. Uma criança, um pequeno ser. E o que é que a gente faz? Dá-lhes nomes, dá-lhes olhares. Alguns se encantam por elas e outros sentem medo. Temor. Talvez haja quem não sente nada. Mas o destino delas é crescer, e a sociedade as observa, as estuda. Com o tempo, se permite-se, as descobre.

E sempre há aquelas que não se conhece. Sempre há uma infinidade para os sentimentos e pensamentos que eles guardam dentro de si. Sempre há aquelas que você nunca vai entender, que nunca vão deixar-se descobrir. Que vão fechar-se no próprio mundo e viver. Viver só o que lhes interessa e nada além.

É por isso que eu continuo chamando-lhes meteoros, cometas, estrelas e asteróides. É por isso que tenho esse anseio carregado dentro de mim. O que eu espero é pelos meteoros que venham chover aqui. Talvez eles caiam e, desprotegidos, deixem-se descobri-los por mim. Que sou, tão lastimosamente, sua mera imagem e semelhança.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Os olhos de vidro

Deparei-me com uma frase de Leonardo da Vinci por pura casualidade. Disse que "Os olhos são as janelas da alma e o espelho do mundo".

Entre olhos, espelhos e janelas, há fatores que os diferem minuciosamente. Os olhos não mudaram com o passar dos anos. Os espelhos são espelhos. Um vidro de reflexo que só difere-se dos outros por acabamento ou modelo, mas cuja essência permanece igual. Já as janelas, bem, as janelas de fato mudaram.

Foram já amadeiradas, envidraçadas, possuidoras de vitrais e pinturas, onde cada época e cada arquitetura as diferiam. Janelas estas que serviam para iluminar, proteger, deixar-se enxergar o que existia por fora das quatro paredes.

Casa era sinônimo de tranqüilidade, calor para o coração, descanso pro corpo. Era lugar para sentar à frente, ver as crianças brincarem nas ruas ou os cachorros correrem pelo jardim. Com o passar dos tempos, foi ficando cada vez mais fechada. Assim como seus moradores, cada vez mais inseguros e herméticos para um mundo que ainda tinha muito a ser descoberto.

A violência aumentou, precisava-se de segurança. Ergueram-se muros, ergueram-se grades. Os odores da poluição ultrapassaram os níveis normais. A jornada de trabalho ocupa mais horas durante o dia. Há necessidade de violar-se cada vez mais quando se está em casa.

Hoje, as janelas são vedadas, à prova de som, de vento, de pó. As venezianas, super-lacradas para que proporcionem um verdadeiro blackout no ambiente. Promessas comerciais de total paz e silêncio por pouco mais de duzentos reais.

Fechar-se sozinho, deitar-se no escuro, dormir e não querem ver nem ouvir o mundo ao nosso redor só me mostra o quanto a humanidade realmente mudou. Mas a realidade é que nada nos protege de uma vida sem sentido.

Não consigo ver vida nessa acomodação. Chega sim uma hora em que todo mundo cansa, mas poxa, o resto do tempo é viver! Eu, ao menos, não gostaria desse cárcere. Janelas bem abertas, vento e sol são presentes na nossa vida e estão aí para serem aproveitados, e não desprezados com engenhocas inventadas pelo homem.

Só sei que meus olhos estarão bem abertos. Mesmo quando dormem, mesmo quando cansam. Fechá-los para a vida não me encanta nem um pouco. O mesmo das janelas.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sobre passos e dores

E meus pés doíam. Eu sentia meu calcanhar arranhado esfolar na costura do All Star velho que eu teimava em não me desfazer. E mesmo com os pés doloridos, eu andava e andava sem parar. Mas eu não conseguia ver, não conseguia ouvir, não podia notar.

Até que mediante os passos apressados, percebo passar sempre pelo mesmo local e posso escutar um barulho diferente. Fitas de papel presas a um ar condicionado, debatendo-se umas contra as outras. Meus olhos desfocados focam-se, já não sinto mais a dor em meus pés. Posso ouvir calmamente cada passo dado na larga rua, olho para um sapato e consigo ouvir seu próprio ruído. E meus lábios, como sempre, mexem-se numa melodia Beatleniana qualquer enquanto eu sinto aquela enorme quantidade de informações me preencher aos poucos.

Ah, mais estranha do que quando falo sozinha na rua. Mais estranha do que falar sozinha na rua e carregar as mãos sempre bem fechadas dentro do bolso, mais estranha do que usar um calçado que sempre machuca.

Mas vamos esquecer de tudo que foi dito anteriormente. Não importa a qualidade e a dor da caminhada. O que importa é a caminhada, não?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Me leve

Que me leve, que me leve, já não me importo mais. Que continue fazendo com que minha cabeça percorra os mais insanos caminhos da obscuridade do meu ser, que eu continue engolindo à seco minhas agonias e que continue com o coração apertado e remoto.
Mas não me leve mal, não julgue minha expressão. Não julgue minhas palavras só por ouvi-las, tente entender que não consigo proferi-las com a mesma emoção: meu coração doentio não permite, minha razão não permite, e eu não sei, não sei de forma alguma o que fazer. Então, me lê agora: se meus olhos estão perdidos e desfocados, são sim por tua causa, ainda que não sejam por tua culpa! Só me dá uma chance, um voto de confiança, me dá segurança pra eu fazer o que devo fazer.

Um passo, quem sabe, bastasse. Não me leve daqui. Eu estou perto demais.

sábado, 24 de julho de 2010

Sem ti, indo

Hey, baby. Tão frio aqui, tão frio.
Eu tenho sentido tua falta todos esses dias, tenho tido meu sono perturbado por ti e por tuas palavras. Percebi como a vida é engraçada, de todos os delírios que eu tive sobre coisas inexistentes; olha só o que tu me fez sentir! Achei que não era real, mas de repente me peguei pensando, e sem ti'ndo, e sonhando... E no que foi que eu me meti?
Tão frio aqui, baby. Tão frio.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Polifilosofia

Peço perdão se vai contra minha constante insatisfação de ser. Peço também que escute minhas palavras: se trata minha ação como insatisfação, temo dizer-te que estás plenamente errado. Nada como ajo tem a ver com insatisfação, senão com uma enorme fascinação com o mundo que me cerca. Isso que referes como insatisfação minha nada mais é do que ansiedade. Ansiedade em todos os sentidos. Ansiedade de ver coisas novas, de viver momentos ainda não presenciados, de sentir coisas que ainda não foram sentidas... De refazer a própria vida sem precisar morrer. Não percebes que muitas pessoas passam todos seus anos de vida sendo aquilo que foram pré-destinadas a ser e fazer? E se de fato existe uma outra vida, só lá vão mudar suas condições - ainda que mudem. Confesso que também desacreditava do destino, mas agora começo a aceitá-lo: destino nada mais é do que aquilo que aconteceria naturalmente não fosse a sua ação. Não fosse a sua ansiedade de fazer ou não fazer. Começo a reconhecer a existência do destino e continuo a não aceitá-lo. O destino assemelha-se muito a um piloto automático, e que graça tem usufruir disso? Não viver as emoções, não estar atento a pista à sua frente, não ter o prazer de acelerar nos trechos permitidos e a cautela de desacelerar quando é preciso? Não ter o prazer de parar algumas horas ou até mesmo dias, pra poder fazer coisas que só podem ser feitas quando não estás em constante movimento? Acredito também que o movimento é essencial, porém toda pausa é necessária. Compreendo também que nada me compreendes, mas entendo a sua posição. Cada um crê nas suas próprias condições, busca e desenvolve sua própria necessidade. Por isso peço perdão, mas não que isso seja de todo verdadeiro: a mentira também me parece necessária nesses casos. Realmente não me sinto obrigada a desculpar-me, mas também não interfere-me em nada o fazê-lo. Sei que não concordas com o que digo, mas ao menos agora conhece minhas palavras. Isso também acho vital. Conhecer e saber ver de diversas formas e ângulos e dimensões. Peço perdão por minha prolongação, mas poucas palavras só estão para mim oralmente. Quando trato de utilizá-las na escrita, não há limite para expressar-se.

(...) Continuará, provavelmente, num outro dia qualquer.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Paradoxal

Ela não lembrava muita coisa do passado daquela amizade, não lembrava muito bem em quais palavras havia surgido e nem a consequência de tal aproximação. Mas lembrava das últimas risadas numa tarde amarga de inverno, da chuva torrencial caindo sobre elas e de um guarda-chuva quase estragado. Lembrava das ruas desconhecidos e de uma busca qualquer, essa qual ela já não mais recordava o que era. E não lembrava dos motivos ou dos assuntos, mas lembrava do sentimento de ter em seus lábios um sorriso largo pendente, uma sensação eufórica preenchendo suas entranhas enquanto o ar rarefeito lutava para percorrer seus pulmões. Ela não lembrava muito bem o que, mas lembrava como... E sentia falta.
Depois desse episódio prolongado por no máximo uma hora, muitas outras coisas aconteceram. E ela também não se lembra como, onde e em qual momento as situações se reverteram: a chuva diminuiu, o frio aumentou descomunalmente. Risos irônicos substituíram os felizes, palavras sinceras e duras substituiriam as bobagens anteriormente ditas. Interferências de terceiros, objeções e trocas de pensamentos: de repente toda a euforia esvaiu-se e ela se viu finalmente sozinha, novamente, trancada no próprio coração.

O que substituiria aquela estranha situação?

domingo, 11 de julho de 2010

Rotina - I

- Hum, você tem andado diferente - ele comentou olhando através da janela do ônibus.
- Tenho, é? - a menina indagou enquanto passava pela roleta, entregando-lhe o dinheiro com desinteresse.
Sentou-se à dois bancos de distância e se pôs a observar a paisagem exterior. Instintivamente, o pé batia no chão ritmicamente. O ônibus andava acelerado, pegando todas os sinais abertos, ainda que ela não se desse realmente conta disso.
O tempo passou despercebível. Num perder de olhos pra janela, numa desconcentração momentânea da retina, ela finalmente ouviu a voz insistente a chamando:
- Você perdeu a parada mais uma vez.
- Perdi, é? - ela indagou virando o rosto, fitando o cobrador que tornara a falar.
Não se moveu, esperou que o ônibus parasse em outro sinal qualquer e levantou-se, segurando nos hastes percorrendo o ônibus até a porta de saída.
- Você tem... - ela ouviu a voz novamente, e apertou o botão solicitando a parada.
- É, eu sei. Diferente - ela concordou, resmungando silenciosamente e descendo assim que o ônibus abruptamente freou. Pulou os degraus simplesmente, e uma vez que os pés tocaram a calçada basáltica, o ônibus arrancou com um assovio do cobrador.
Igualmente.

Vai?

Ah, mas ah, também não me importa mais momentâneamente. Chega de ser estabelecido, certo, correto. Deixar ser impreciso e novo, e que seja sempre assim, nada cansante...
Qual o objetivo de tudo isso? Até que eu não descubra vou continuar me contradizendo e questionando. E que cada um faça o que queira. E que cada um diga o que queira. E isso tudo vai dar sempre na mesma...
Não vai?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

"Serassim"

Começarei sendo sincera: não sei o que se passa e não sei o que passou até então. Só sei que aconteceu, que vivi e me decepcionei e por ora me alegrei. E sei, por fim, que passou. Mas sei que meu coração tem estado apertado, tem estado confiante e confidente, ansiado por uma confirmação sentimental. Meus ouvidos estão atentos, buscando as palavras certas a serem ouvidas. E eu tenho me decepcionado, mas tenho ganhado muito... tenho vivido muito e ouvido coisas que eu não queria ouvir, mas que acabaram me saindo melhores e mais belas do que, por hora, as que eu queria ter ouvido. Porque cheguei mais uma vez a conclusão de sempre: o incerto, o surpreso, tudo aquilo que a gente não aguarda vem. E tudo isso é melhor do que as esperanças que a gente guarda e consome cegamente, sem ter noção de sentido. A verdade é que eu vou continuar aqui, hermética, lendo e medindo o milhão de informações que eu encontro nos olhos à toa. Vou continuar como sempre, mas vou questionar mais do que nunca. Até que todas minhas perguntas cessem e aí sim, eu não terei rumo. Terminarei sendo sincera.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Perímetro

É que às vezes bate aquela urgência
Aquela ansiedade de ter à mão um objeto
É que me parece tão facil, tão alcançável...
Que se um simples tropeço ocorre
o presente se desmancha
Se cada um de nós der um passo,
será que não ajuda?
Sorri, me olha...
E eu retribuo dizendo "Tudo bem".
Vai em frente.
Eu estou bem em frente.

sábado, 3 de julho de 2010

Dessa vez mais uma vez

Tantas coisas eu queria te dizer, eu fico aqui te imaginando, cada dia diferente, cada dia de uma forma distinta e surpreendente. Eu aqui sonhando e lembrando do passado e projetando um futuro inexistente, eu aqui alegre com meus pensamentos displicentes, eu aqui, sozinha, vazia... tão cheia de emoções diluídas no conceito de realidade e eu aqui, não me importando, mas sim implorando por mais...

Verão, calor, noite, casa vazia, uma música nova que me trás lembranças... Um frio na espinha, um coração certeiro e endividado com a vida. Os pés altos e eu aqui, eu aqui com minha mente insana como de costume, como sempre foi e como sempre será até que eu tenha algum vão controle sobre ela.

Vê o que acontece? Vê o que tanto tento dizer? Vem pra cá, se junta nesse chá amargo e deixa o dia escurecer. Vamos imaginar juntos dessa vez.

sábado, 19 de junho de 2010

Pequenos Versos - Hold

É que me aperta o coração
eu aqui a imaginar
eu aqui a lembrar do que tenho quase certeza que vivi
e o tempo passou e eu nem vi
e hoje não recordo mais.

Pequenos Versos - Hope

Se você não conseguir fazer acontecer
não custa muito imaginar
com um só pouco de esforço
é possível realizar.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Volta da ida

Eu estou bem agora
voltando à minha habitual solidão espiritual
voltando a ser o que eu já fui
voltando a ser o que eu já tinha certeza de que eu era
mas não voltando apenas voltando
não só com a bagagem nas costas
mas voltando com incontáveis ações de vivência

Eventualmente voltarei a partir
porque não sou nada mais que uma resultante de indas e vindas,
tentativas frustradas ou especulativas

Agora que de fato voltei,
não me sinto mais mal
mal se sente quando se está desolado,
desamparado pela notícia
ou pela percepção de que terás que voltar
eu agora estou bem

Bem como já bem estive antes de partir

terça-feira, 15 de junho de 2010

Expressão

A gente perde tanto, ganha tanto. Pessoas somem e pessoas aparecem, novas palavras e novos pensamentos pra serem compartilhados. E mesmo que a razão-prévia viva gritando aos ouvidos "não tenha certeza, não tenha certeza", é natural e seu querer acreditar.

Querer crer que aquela pessoa sempre estará lá. Que não machucará dizer que você a admira, que você se sente bem ao lado dela. Querer dizer que a amizade faz sentido e foi descoberta. E sua razão-prévia-e-estúpida grita "não tenha certeza, não tenha certeza". A gente cansa de ter uma opinião formada sobre tudo.

Não podemos dizer as coisas por dizer. Se pudéssemos seria tão mais fácil. Falar e se arrepender, pra ser em seguida esquecido e substituído. Mas a maravilhosa insana mente humana, em meio a tantos esquecimentos, lembra-se. Palavras vãs nunca são esquecidas. Por quê?

E então não sei se me guardo no silêncio, e fico solitária em companhia do que penso ou dilato a garganta num grito, numa agonia vinda da necessidade de se expressar.

Cada dia, um dia! Amanhã talvez não tenha essa mesma nova-velha opinião. Por isso, mais seguro escrever do que dizer. Continuarei, e talvez disso sim eu tenha certeza, me aproveitando das palavras como terapia.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Versos em Cores

Ah, eu nem espero mais de ti
Atitude alguma pois
Do pouco tempo apenas percebi
Que do teu coração parte não faço

Se tempo atrás me importei
Hoje o sorriso deixou-me esvair
Loucura necessidade que um dia houvera em mim

Pois digo-te que faça o que queira
Não digo que não vou me importar
Mas que irei sorrir ao encontrar teus olhos,
Isso eu não irei negar.

Apenas me faça feliz
Mesmo que longe de mim
Apenas sorria
Mesmo que não seja pra mim

Hoje isso nem importa mais...

domingo, 13 de junho de 2010

Inver(n)o Amor

Era verão, e assim como significa ser ou não verão, não era nada. Era um dia bonito, era um dia de sol. Era quente, agradável. Bom de se passar, bom de se aproveitar. Mas era apenas um dia bom.

Foi um dia em que um olhar amigo se cruzou, foi um dia em que sorrisos foram compartilhados, conversas foram trocadas e bons momentos passaram-se juntos.

Nenhuma briga ocorreu, nenhuma má lembrança se apossou. Nenhum sonho se destruiu, nenhuma vida se dilacerou. Nenhuma alma adoeceu, nenhum humano se deixou. Um dia bom foi, afinal. O que poderia mais se querer?

Ah, o coração é calmo demais. Os batimentos são constantes, uniformes entre si. O sangue corre normalmente, os olhos enxergam esguios, não-resplandecentes.

Ah, cadê o brilho, a emoção? Cadê o sopro de excitação? Onde estão os anseios, os sonhos, as preocupações? Me deixa sofrer um pouquinho, me deixa aprender a viver...

Que graça tem a vida quando é viver?

Random II

Ah, mas o que é isso que acontece?
Minha cabeça se apetece
Como eu vou poder aguentar?

Olha só tudo que há
Olha só a imensidão
A cor infinita do manto azul
As pinceladas de ouro no céu

Que sentimento é mesmo esse?
Não me sinto assim há tempos

sábado, 12 de junho de 2010

You really got...

Eu vejo todos teus defeitos
E não concordo com o que dizes
Mas ah, amor, o que eu faço
Se apenas ver-te é meu abrigo?

O que acontece é que eu preciso
Necessito um pouco mais
Proximidade, de elo entre nós

Entende o que eu digo?
Nem são necessários os dizeres
Me diga apenas o silêncio
Me dê o toque das palavras

E me olha agora aqui,
Bem em frente eu estou
Estende o braço e sorri
Segura agora minha mão.

Não vou nem pedir o favor...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Louca vida

Mas olha só que maravilha
Essa louca louca vida
Que um dia me faz crer
e no outro duvidar

Mas olha só como as coisas são
engraçadas, piadistas,
dedo na cara, repreensão
Podes ver como funciona?

Cada dia é um dia
e por acaso
nenhum é igual

Coisa mais engraçada
A louca vida!
Vem e nem dá sinal...

terça-feira, 4 de maio de 2010

Me diz

Me diz se não é verdade?! Que nossas vidas não serão (se já não são) meros borrões desperdiçados na infinidade de tempo que nos é proporcionado? Que mais limitado que ele seja, quanto ainda o disperdiçamos?

Me diz que não é verdade? Que as coisas rubras se tornarão desgastadas e escuras pelo tempo? Que os sorrisos e a esperança de agora se resumirá a nada assim que alcançarmos nossos objetivos?

Me diz o por quê? Por que as coisas se perdem no desinteresse? Por que tudo passa a ser tão remotamente sem graça com o simples passar dos ponteiros no relógio? Eu, tão ultrapassada por eles, já não entendo mais... Não consigo compreender e muito menos aceitar.

Me diz o motivo? Que o que eu quero é somente saber... se um dia ao menos a gente vai se lembrar disso tudo que temos pra viver.

* Texto desobedecendo ordens da Língua Portuguesa. Porque eu sou uma pessoa e no momento escrevo como bem (ou mal) falo.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A verdade é - I

...que eu gostaria muito de viver cada dia um livro. Milhões de possibilidades, diferentes tipos de personagem... Liberdade pra ser o que bem entender, liberdade pra escolher que linhas percorrer. Milhões de frases, centenas de situações, loucuras e normalidades, estações de frio ou calor. Diferentes línguas, culturas desconhecidas, sofrimento ou diversão, rebeldia, traição. Porque não os escolheria mão a mão, qualquer um já me servia... História de vampiros, história de guerras, crônicas humorísticas de ilusão. Qualquer um seria refúgio e descoberta, seria horizonte e amanhecer diferente, seria aquilo que hoje já não posso ter.

Livro, me deixa entrar no teu coração?

domingo, 2 de maio de 2010

E de repente vejo que

tudo isso já não me serve mais de refúgio. Linhas são limitadas para o tamanho do pacote que carrego. São estreitas, são só linhas.

Terei que idealizar novos ideais.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Frutos

Maçãs. Caídas maçãs. No lugar desconhecido haviam muitas maçãs caídas e despedaçadas. Caídas, murchas, dilaceradas. Podres. Já não mais utilizáveis. Maçãs.

Meus joelhos cederam ao chão. De cócoras, observei mais detalhadamente os frutos. Estavam deploráveis e ainda sim cheiravam deliciosamente bem. As larvas e insetos que os possuíam pareciam felizes, satisfeitas... Elas ganharam o que eu não conseguia havido ter. O cheiro era bom, envolvente. O balanço das árvores parecia contribuir para que ele se propagasse.

Inspirei fundo, fechei os olhos. Era bom. Muito bom. Involuntariamente minha mão foi-se estendendo. Toquei a maçã apodrecida. Era suave. Costumava ser saudável... por que não?

Com os olhos já abertos, observei ainda mais de perto os parasitas aproveitarem-na. Divertirem-se. Totalmente inescrupulosos. Tentei afastá-los com os dedos, mas eles, a pesar do tamanho, pareciam-me estar totalmente conscientes de seu poder sobre a situação. Subiram-me os braços, deixaram-me abalado. A maçã foi largada, rolou pelo chão.

Que pecado eu havia cometido?

terça-feira, 16 de março de 2010

Coisas do papel rascunho

A verdade é que não há verdade.*
Só um emaranhado de possibilidades das quais nenhuma me convenço. Não temo, pois, o engano mas sim a dispersão.
Perco-me em pensamentos com segurança, mas medo tenho de perder-me em vida, em dança, em falsa verdade dita despercebida.
Não tenho chão sequer base. Minha mente flutua no veto, voa no ar poluído perdida em pensamentos reciclados.

* Pablo Neruda

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

E como é bom...

E como é boa a realidade que nos cerca. Por mais insana, dura ou sarcástica que ela seja, ela faz a porta bater na nossa cara e mesmo assim a gente continua sorrindo!

Como é bom sorrir, como é bom saber sorrir. Porque se está sorrindo, tudo fica mais fácil, tudo fica bom e tudo se aproveita mais.

É bom relembrar o passado, revivê-lo desde que se tenha um sorriso no rosto. Um sorriso singelo, que seja... Não precisa forçar as bochechas, não precisa comprimir os olhos, não precisa precionar ou mostrar os dentes.

Não é díficil sorrir. Quer a receita? Ame tudo ao seu redor, incluindo você e estará comprovado o como é bom.

Sorrir. Internamente.