quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Mirabile dictu

Alice tinha nove anos quando aquilo aconteceu. Eu lembro de estar sentado na cama, tinha a recém acordado, a cortina tava meio aberta quando eu espiei pro andar de baixo e vi seu corpo magricela esparramado no jardim. Achei estranho, senti medo. Mas vi que os olhos dela tavam abertos e vez ou outra um riso ameaçava brincar no seu rosto pequenininho. Ela usava um vestido amarelo, da cor do sol que brilhava ainda fraquinho, brigando com as nuvens por um lugar no céu ali do bairro. De um minuto pr'outro, vi Alice agitar o corpo contra o gramado novo, e achei aquilo muito estranho. Me deu medo de novo. Pulei da cama e calcei os chinelos, abrindo a porta e correndo escada abaixo, ouvi mamãe gritar alguma coisa, mas fui mais rápido ao abrir a porta e saltar ao encontro de Alice (que naquela época tinha nove anos...).
Atirei-me ao lado dela e segurei seu ombro, sacudindo-a.
- Alice! O que tá fazendo?
Ela riu - e eu achei aquilo tão divertido, a pesar do medo que eu tava sentindo!
- Vem! - ela segurou meus cotovelos e começou a se mexer, eu dei um pulo pra longe dela. Mamãe apareceu na porta e eu vi nela um olhar estranho, coisa que nunca antes tinha visto.
- Gabriel, tu estás de pijama! Vem já pra dentro. Alice, sua mãe sabe que você está aqui?
Assim que Alice ouviu a voz de mamãe, ela deu um salto do chão. O vestido amarelo-sol agora dividia lugar com um pouco de terra e lutava com o sorriso de Alice, pra ver qual chamava mais atenção.
- Deixa o Gabriel brincar lá em casa, tia.
- Minha querida, vai pra casa - mamãe disse, me puxando pelo braço e se abaixando pra espanar a terra dos meus joelhos.
Alice olhou pra ela com aquele sorriso, e eu não entendi absolutamente nada do que tinha acontecido ali, naquele dia, quando Alice tinha nove anos e eu, vinte e cinco.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Aviamentos

É somente aquela sensação de que o céu está claro e o sol brilhando, e o fulgor do coração contente e relaxado bombeando sobriedade e contentamento pra todo o resto do corpo, que com os passos tortos segue caminhando, uma mochila nas costas - sem muito peso - e a cabeça costurando atrações.
Já não é mais hora de inventar, é hora de tramar as peças: chega de procurar, buscar, pensar, mastigar as palavras encarceradas na cabeça. É hora de pinçar e juntar todas as sílabas, todos os sentimentos, toda a emoção. É hora de pegar tudo e jogar numa mistura, nessa mistura inusitada que é viver com paixão. Saber envolver em abraço quem passa e encanta, saber que sonhar já não é solução. E assim, tenho esclarecimentos, a vida vai jogando pistas no meu caminho sujo, e meus passos tortos já não se enganam. Os lábios sorriem, estimulados pela sobriedade e pelo contentamento; e ao lembrar de ti eu já sou sol garoa e vento e volto sempre a ser o que sou. Entende a magia do caminho? É só seguir, só seguir... E às vezes a gente ainda acha que é demais. Com amor, sempre é demais... Porque o coração que pulsa necessita de motivo pra pulsar cada vez mais. E nessas, de motivo, desejo, confusão, desassossego, a gente tira dele a sobriedade; e o contentamento. Nada que uma boa mão não alinhave.