sexta-feira, 29 de maio de 2009

O Sonho - I

Árvores.
Gramado muito verde.
Pasto, vacas e bezerros.
Um gato, um mio distante.
Os pássaros. Um canto agonizante.

A fuga.
Os pés.
A correnteza do rio das águas escuras.
O sol forte no rosto. A visão amarelada.
As pálpebras contraídas.
Um grito, um baque, um ruído.

Naquela noite sonhei com dinossauros.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

(Houve) um poema

Pois há um amor, um fascínio, um certo carinho desconhecido pelas entrelinhas de um poema que, por hora, jaz guardado a gaveta.

Há muito tempo está ali. As palavras cravadas, o papel já amarelado. Contudo os sentimentos nele escritos perduram pelos anos e por todo o tempo que o houve, pois dele jamais esqueci.

Não poderia de forma alguma esquecer. Lembro claramente de teus olhos que iluminavam-se, de teu sorriso tímido e, no fundo, nervoso. Lembro-me da ância que tu escondias para livrar-te, sem despedida, de mim.

Pois não aguentou. Fugiu e recomeçou. Não aguentou ver-me partir, não suportou esperar-me voltar. Talvez teu amor não foi tão grande assim, mas eu prefiro - realmente - pensar que tu foste fraco e não aguentaste ficar a buscar.

O poema continua ali, intacto, cheio. E espero poder-lhe - um dia - entregar.

sábado, 16 de maio de 2009

O café

As mãos nervosas firmes sobre a colher despejavam o pó de café no coador antigo. Ele preferia, de fato, o café antigo. A cafeteira há tempos estava esquecida no armário alto, intocável e sem uso.

A água na chaleira ferveu, ele a apanhou e despejou-a sob o pó amarronzado, observando-o borbulhar.

O frio era intenso, o vendaval não parecia diminuir. As janelas se sacudiam brutalmente, enquanto o dia permanecia escuro e nevoento. Já eram sete e meia da manhã, e nada. Nenhum sinal do sol.

Tampouco sinal dela. Serviu-se do café recém passado, pôs-se a caminhar pela pequena casa. O assoalho de madeira rangia, as cinzas da lareira encontravam-se em repouso. O vento continuava a zunir enquanto as árvores do jardim se debatiam violentamente.

Ele rumou até seu quarto, encostou-se na porta e a abriu levemente. Ela estava ali. As roupas grudadas ao corpo, úmidas. O cabelo cacheado e loiro empaçocado, esparramado pelo grosso cobertor xadrez. As pernas pálidas e longas descobertas, a respiração inteiramente nervosa e descompassada.

Fechou os olhos e agradeceu. Não tardou a voltar a rumar pela pequena casa. O soalho rangendo e o vento cantando o faziam mergulhar em nostalgia. O café já começara a esfriar, tamanho frio que fazia. Levou-o novamente aos lábios e o solveu. Amargo e frio. Ironicamente amargo e frio.

Voltou ao quarto. Tampouco sinal dela.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sobre os doces - I

Doces. Eu gostava deles. Não porque fossem assim tão deliciosos, tão irresistíveis. Mas gostava.

Gostava, de fato, de pegar os pequenos embrulhos nas mãos, passá-los por entre os dedos, observar suas cores, suas diversas formas e sabores. E gostava de ler suas composições, de ver por que mãos haviam sido feitos. Mãos suecas, mãos uruguaias, mãos mexicanas ilegais. Mãos ricas, de edição limitada, ou mãos pobres. Com ingredientes finos, caros, ou ingredientes simples. Com embalagem feia, com embalagem bonita, embalagem preta ou embalagem colorida. Não importa. Gostava de todos os doces igualmente.

Ficava a imaginar a vida das pessoas por quem os doces passavam. As mãos que o faziam, o quão sofridas ou o quão poderosas eram. Será que não os provavam, de tão enjoados que já estavam? Será que poderiam, de fato, prová-los? Ou morreriam sem saber o gosto do sabor feito pelas suas próprias mãos?

Os colhedores de cerejas, os trituradores do cacau, será que eles alguma vez se alimentaram da grandiosidade de seu pequeno gesto diante da magnificência dos doces no geral?

Apanhei um bombom da cestinha. Desembrulhei-o, o provei.