sábado, 26 de novembro de 2011

Fótons

Então eu vou juntar todos os pedaços de mim que caíram pela estrada, vou juntá-los com todo cuidado e cuidar deles. Vou tratar de reconstruir quem um dia já fui? Ou vou tentar reconstruir todos aqueles sonhos que passaram e se perderam nas curvas sinuosas desse longo caminho? Eu quero voltar a sonhar... Voltar a sonhar como nos dias em que o sol brilhava lá no alto, mas que era fresco, e a gente ria... E havia amor. Porque tudo está tão pragmático, tão estabelecido, tão vai-ser-assim já-estou-vendo. Acho que precisamos juntar os pedaços e reconstruir aquele coração corajoso, ainda que ignorante: não sabia o que queria, não sabia o que fazer, mas era bravio! E assim, me abaixando caminho a fora, apanhando cada pedaço de mim que caiu - que eu amadureci e deixei cair e aqueles que foram arrancados antes do tempo - vou fitar o sol, e pedir baixinho: que sol volte a brilhar de novo, luminoso... alvo e claro mas que, por favor, traga frescor! Que o anoitecer volte a ser lilás, que os sorrisos em nossos rostos voltem a ser de paz. Sem mais desespero, por favor. Talvez, pegar as mãos, eu afundo no ocre, tu mergulhas no ciano... E assim, naquele sorriso bobo, naquelas células que brincam nos lábios e fazem encher os olhos, a gente encontra o encanto. E eu, que continuo juntando os pedaços, quem sabe... Quem sabe eu encontro tuas mãos, me ajudando.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Câmera lenta

E com aquele sorriso do tamanho do mundo ele tentava distrair o coração louco e conter o corpo - que de tanto nervoso pulava de um lado pro outro -, fingindo que tudo estava muito bem e que aquela situação era somente embaraçosa.
Mas por trás daquelas mãos que suavam segurando a própria camisa, um coração ainda mirim batia e ameaçava-lhe arrebentar o peito. O cérebro jovem e cheio de fórmulas e vozes e ilusões tentava esquecer o discurso ensaiado. Mas ela estava ali, bem na sua frente, os cabelos bem ajeitados num coque, o rosto incomum e ao mesmo tempo tão familiar distraído. Aqueles olhos perdidos em algum pensamento que lhe punha medo por detrás do sorriso.
Ele estendeu a mão, agiu com naturalidade. Cumprimentou, ela acordou dos devaneios, deu uma risada e respondeu animada à uma conversa sem compromisso, sem noção, aquela empolgação desnecessária. Ele se pôs a falar, enquanto ela quedava em silêncio, tão ou mais distraída - indiferente? Ele tentou buscar seus olhos, mas nada encontrou. O sorriso enorme foi aos poucos se definhando, ela já ria sozinha, fitando o chão. Ele já agarrava-se a ilusão escondida a pouco dentro do peito.
Eu senti o coração dele, batendo lá, lento. Ela confusa, ela tanto-faz. Eu bebi um gole de conhaque e fiquei a pensar no tudo que se constrói e se destrói em bem menos do que cinco minutos.

domingo, 20 de novembro de 2011

Blow blow blow it up

Cara, meu coração tá batendo... tá batendo cada vez mais forte enquanto eu escuto todas essas vozes gritando, brigando, esbravejando e lutando por poder. Batendo cada vez mais forte, sangrando cada vez mais - e forte! E toda essa gente que por aí grita e grita e nem sabe o que diz. É que sabe, cara, o meu coração dói: toda essa matéria de que eu sou feita - tecidos e artérias e veias - se machuca cada vez que o cérebro assimila o caos, o terror, assimila um possível futuro próximo, raciocina e vê o caminho da humanidade. E sangro, sangro por aqueles que não tem lar e sangro mais por aqueles que o perdem. Eu vejo o chão de terra aos poucos encharcando, eu vejo as árvores que choram pela seca. Eu vejo a natureza que nos deu vida nos levando a morte. E ninguém tá preocupado com isso. E meu corpo, só assim, respondendo: vai com a natureza, coração batendo, batendo... meus olhos ardentes marejando. E o vento lá fora é quente, os passos são rápidos e francamente, eu acho que as cabeças... as cabeças... são vazias.

Não dói em você?

sábado, 19 de novembro de 2011

Metapoema

Eu escrevo pra um fantasma
Que vive e anda e canta
E tão longe de mim, encanta
E assim vai matando o coração meu

Eu escrevo pra um menino,
pra um menino que está em algum lugar trancafiado
Que não tem coragem de ser, menino
– e assim vive num corpo de entusiasmo

Escrevo pra um destino
que eu nem sequer acredito!
E que me persegue... com a lembrança
de um passado louco, o meu presente

Escrevo por uma dor, escrevo por raiva,
escrevo pelo meu gozo e pelo meu tato

Mas escrevo, acima de tudo,
pelo meu amor; pelas palavras
pela memória de que o que é escrito
não se apaga.

domingo, 6 de novembro de 2011

Manifesto

Sabe qual é o problema da humanidade? Os homens já não acreditam mais nas palavras. E crê-las não está na veracidade ou na concordância com o que se é dito, pois antes de dizerem algo, palavras são palavras pela sua função. O mundo não aceita as palavras. Julga-se. Extermina-se. Ninguém sabe mais o real sentido das coisas, tudo hoje é definido pelo dicionário. Não há sentimento, não há possibilidades, não há ideias e teses. Não há mais curiosidade e não há mais corações abertos. O mundo vive seu próprio cárcere. A palavra é usada para coagir, instruir, informar... Quem quer informação? Quem está preocupado em saber o que acontece? Quem precisa de direção quando se tem as próprias pernas e o próprio cérebro e é só você sobre você? Alguma coisa tá errada. Viu? Não! Tudo está errado. E pior do que estar alienado ou preso nesse cárcere, pior do que estar cego, surdo e mudo, pior do que ter sido completamente esvaziado pelo que o mundo se tornou é saber que todo o mundo sabe disso. O cárcere está cegando, mas todo o movimento é evidente até mesmo aos olhos de quem não vê: a reação está próxima. Ninguém pode dizer o quê, não se pode escolher um caminho só. São muitas ideias, muitas lutas, mas ainda, muito silêncio. E muita gente cega, surda e muda atrelada às suas condições. E muita gente que ainda enxerga mas prefere a comodidade, a segurança, porque esconde atrás da face da conquista o eterno medo de seguir adiante. E dentro dessas mazelas tão epidêmicas da nossa sociedade, o que nos resta fazer? Puxar ar pelo pulmão e respirar, seguir em frente? Ver no que tudo vai dar? É esse pensamento, entre tantos, que é o mais destrutivo. É pensando assim que o mundo se encaminha para o abismo, parece tão oculto assim?  Interrogações, interrogações... Porque diante de tanta atrocidade e tanta sujeira solta por aí, já não se sabe mais o que é verdade. A mentira é mais bonita, mais segura, mais protetora, a mentira é só pro bem... E é nisso que todos queremos acreditar. Alguém tem a coragem? Alguém tem a ação? Alguém tem as armas e principalmente... alguém tem coração?

Eu vou esperar uma resposta chegar. Mas não por muito tempo. Até lá...

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

1000 km/mês

Ei, você! Alguma coisa mudou. Tá sentindo essa brisa entrando pelas frestas das janelas? Tá vendo esse sol lindo brilhando e brigando com o vento frio? Tem sentido também a esperança e o calor circundando o coração que volta a bater num ritmo instigante? Já sente o sabor das frutas, dos doces, o cheiro das flores e ouve as músicas que cantam os animais? Eu vou fugir pro campo, se for preciso, só pra sentir isso mais vezes... Tem um milhão de pedaços de concreto me rodeando, mas eles já não me comprimem mais. Dá pra sentir as asas crescendo? Dá pra acreditar que tudo aquilo já passou e não volta mais? Fico na lembrança amarga, recordo as palavras e os sentimentos passados. Mas nada disso me atinge mais. Tem sentido o ar mais leve? Tá vendo que dá pra voar? Vou te contar um segredo: é só abrir os olhos e saber olhar. Cada molécula é um presente, é uma surpresa - entalpia de emoção! -, tudo é só mais um segredo, esperando revelação. A bagagem tá quase pronta, já posso ouvir o barulho do mar. Não importa por quantas ressacas ainda se há de passar... Ei, você! Viu que tá perto? Já já vou te encontrar.