sábado, 23 de outubro de 2010

Let me roll it

E abaixo daquele telhado inclinado em diagonal, onde o sol entrava diretamente pela única janela do cômodo no entardecer, eu escutava o vinil tocar ao longe uma melodia baixa e bonita.

Tu tinhas teu corpo cansado descansado sobre a coberta grossa, enquanto eu apenas fitava fixamente o sol que se punha tão lentamente. E eu queria que tu estivesses fazendo o mesmo, mas tu estavas lá deitada, sonhando, completamente mergulhada na música que te prometia coisas que eu não ia cumprir.

E tu acreditavas que tudo aquilo um dia seria real, que tudo seria como na canção: mil flores, dolores e corazóns. Mas não, não, não. Sai daí e vem fitar o sol, ou me pega pelos ombros e me expulsa porta a fora, me faz descer as escadas determinado, me faz sentir nojo e ter consciência do que eu faço.

Não era mesmo minha intenção, mas eu vou ter que te dizer isso: não será o que tu esperas. Nem é o que tu achas que é.

Nunca existiu. Só foi uma confusão. E nem adianta vir com teu coração ferido pra perto de mim, não adianta pô-lo nas mãos. Eu, mais do qualquer, não deixaria que tu foste somente pra mim. Me deixa, te deixo. Vai ser o que tu podes livremente ser.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Ciclo Biológico

E daqueles longos caminhos e da longa estrada percorrida eu já estava cansada. Queria mesmo era fazer aquilo que outras vezes já houvera feito: me deitado na grama para que pudesse ver o céu o mais distante possível, mas ainda assim pudesse o contemplar de uma forma única. Sem ter que segurar as costas, sem ter que forçar o pescoço pra cima. Apenas como num leito de descanso, eu contemplaria o céu, e sonharia com tudo aquilo que havia em mim para ser sonhado.

Mas nunca fui muito sortuda. A grama sempre estava seca. Ainda assim, era reconfortante por um lado: a relva pinicante fazia-me não afundar tão dramaticamente aos sonhos, fazia-me ver que eu estava viva, que aquilo não era sonho nenhum, outrora realidade. Permitia-me apreciar o céu de todo, mas não deixava com que eu me deixasse levar por completa. A grama seca me agarrava ao chão, e, apesar de me permitir sonhar, fazia-me contemplar uma realidade imaginativa.

Dali brotariam meus sonhos doloridos, preso a realidade, preso àquilo que eu não tinha certeza mas queria. O que me reconfortava era que dos céus, meu manto sonhador e lunar, viria a chuva, e a chuva faria meus sonhos limitados crescerem.

Talvez, algum dia, eles atingiriam o céu.

sábado, 2 de outubro de 2010

Celeste

"Que está no espaço ou nele aparece"

Ah, então era assim que tu eras. Tu, tu mesmo que está aí parado feito um tolo nos muros deste velho mausoléu. Tu que vestes desta camisa vermelha um manto de proteção, uma barreira irredutível ao ver de outras pessoas. Mas comigo não iria adiantar não, eu via como eras tu.

E tu era indecifrável. Ah, eu gostava de me perder nos olhos escuros e comuns a imaginar coisas ao teu respeito. Era um desafio tentar saber das coisas quando, na verdade, eu nada sabia e podia saber sobre ti. Vê que bobo? E continuou lá, com os braços flácidos grudados ao peito, com pinta de encrenqueiro, só pra ninguém te reconhecer.

E no meio ao teu falso mistério torturante, eu pude - ah, como eu pude! - ver alguns dos teus aspectos. Eu pude ver nos teus olhos comuns o quanto que, na verdade, estavas tão entediado com tudo aquilo. O quanto tu não aguentavas nem a ti mesmo, o quanto precisava, na verdade, descruzar os braços, desgrudar as costas do muro de limo e sair correndo pela rua deserta.

Ah, pra mim você era um cometa perdido. Um meteoro devastado. Veio parar aqui e não encontrou ninguém, não se descobriu por ninguém, apenas caiu. Solito consigo. Mas quer o meu conselho? Sai mesmo desse muro, sai daí e parte pra briga: seja lá como tu pretendes agir, vá e faça. Porque te tornarás por aquilo que fizeres, então apenas faça.

Eu te admiro de algum jeito por tu ser desastrosamente assim, um meteoro deprimido, sem rumo definido, que caiu do céu pra mim.