Era uma tarde chuvosa na Floresta Mágica. A água caía torrencialmente do céu escuro, lampejado apenas por raios e trovões assustadores.
O pequeno sapo coaxava pulando em direção de abrigo. Ele precisava voltar para o seu lugar. Entretanto, o caminho mais acessível que seria pulando sobre as pedras do rio, era demasiada e assustadoramente perigoso.
Ele sabia que era exatamente quando o tempo assim estava que o crocodilo mais sentia prazer em se divertir, na sua forma mais mórbida de diversão.
Os olhos grandes e amarelos espreitavam-se sobre a água, atentos a qualquer movimento que pudesse vir a ocorrer sobre as pedras do rio num dia como aquele.
O sapo não sabia o que fazer. “Oh, meu deus” – era o que pensava, somente pela visão imaginária dos olhos terrivelmente amarelos perto dos seus. Ele sabia que cruzar o caminho por aquelas pedras não resultaria em boa coisa, era claro que não daria. Resolveu então apenas se esconder por debaixo das folhas úmidas, esperando que aquela terrível chuva cessasse.
Ali foi onde ele adormeceu e passou a noite. Ao acordar no dia seguinte, quando o sol já quase nascia, observou que não mais chovia. Saiu por de baixo das folhas e avançou em direção do rio, logo vendo que o crocodilo dormia.
Tão logo que o sapo cruzou o caminho de pedras e chegou à outra margem do rio, os olhos amarelos escancararam-se, totalmente acordados.
A verdade, e isso era uma segredo que somente o crocodilo sabia, era que ele não houvera ainda dormido naquela manhã.
Em silêncio e imóvel, ele permaneceu durante boa parte do tempo. Porém, dentro tantos outros momentos que fingira estar dormindo, muitos animais cruzaram o caminho, ilesos e satisfeitos com a façanha.
Ora passara por ali também uma pompa garbosa, rindo-se do crocodilo adormecido. Instantes depois, os olhos abriram-se para revelar um amarelo atento, e não tardou até que a pomba encontrasse-se aos dentes do crocodilo.
Durante os dias ensolarados que se passaram, o sapo não voltou a cruzar no local. O crocodilo, cansado de sua imobilidade, resolveu cruzar o lago por um momento, voltando a ficar imóvel em outro local.
Os olhos ainda espreitavam-se em direção a sua localização anterior, quando voltou a chover, o sapo surgiu às margens do rio outra vez.
- Olá, seu sapo – disse o crocodilo muito pomposo.
O sapo retraiu o pulo, paralisou. Girou as patas traseiras em direção ao crocodilo, encarando os olhos assustadoramente serenos e amarelos.
- Como é que te atreves a usar de minha carapuça para cruzar este ímpeto rio?
- Me desculpe, seu crocodilo. Não havia percebido sua recente mudança, nunca foi minha intenção encomodá-lo.
- Ora, não se preocupe, contanto... O único que peço-te é que me responda a pergunta.
- Pergunte, pois, seu crocodilo...
- Como é que te atreves a usar de minha carapuça para cruzar este ímpeto riu? – repetiu o crocodilo calmamente, com o olhar displiscente sobre o pequeno sapo paralizado.
- Me desculpe, seu crocodilo, já lhe disse que o senhor não havia visto.
- Isso sim me respondeste, mas não à minha pergunta. Deixe-me analisar-te, ó, esperto sapo.
- Observo-te há tempos. Tantos e tantos animais por este caminho cruzaram e nenhum deles percebe que sobre a superfície que pisam para fugir da correnteza perene, está um tolo crocodilo adormecido. No entanto o senhor, seu sapo, sempre pula majestosamente minha carapuça. O que realmente me pergunto é: será que o senhor pula minha superfície por medo ou por respeito? Dos poucos outros animais que isso fazem, já me confessaram ser por medo. Mas seu sapo, vou compartilhar-lhe algo... medo de quê? Se eu nada faço além de descansar meus incansáveis olhos e observar as águas ternas?
- Ó, seu crocodilo, desculpe-me interrompê-lo, mas você abocanha muitos dos animais que por aqui passam.
- Mas companheiro sapo, veja só! Não faço isso por maldade, mas sim porque vejo quem e como pisam em minha carapuça. São tantas as coisas que você percebe de olhos fechados, amigo sapo, que você nem tem noção do quanto!
O crocodilo ziguezagueou o rio em torno da pedra onde o sapo encontrava-se, voltando a falar:
- Então, me diga, seu sapo. Diga-me por favor... Medo ou respeito?
- Ó, não quero ser presunçoso, seu crocodilo...
- O senhor está com medo agora?
- Sim, senhor crocodilo. Eu estou.
- Pois sabe o que penso, seu sapo? Que me notava, sim, com respeito pois hoje cometeu, por pura infelicidade, o erro de pisar-me distraidamente, e não ficaste a procurar-me com medo de ser atacado. Pisar-me foi uma fatalidade e eu compreendo isso.
- Compreende, senhor?
- É claro que sim.
O crocodilo sorriu mostrando os afiados dentes e abocanhou o sapo de uma só vez.
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