Era uma manhã pequenina, uma manhã daquelas de inverno bem gelado. Uma daquelas que não te dá ânimo pra sair da cama, de jeito nenhum, não senhora. Ainda assim eu saí, pulei da bendita e vesti os casacos com os olhos ardendo. Caminhei alguns minutos a pé em direção da escola, desisti. Observei os banquinhos da praça vazios, as árvores alvoroçando com o gelado vento e resolvi me sentar. Fazer companhia às pobres e solitárias árvores.
Comecei a assoviar uma canção. Não me lembro muito bem da letra, mas com certeza falava de amor. Eu gostava do ritmo. Gostaria de cantá-la, se lembrasse da letra. Mas não lembrava. Já não lembrava de nada.
Aproximaram-se da escola alguns colegas meus, até quis acompanhá-los, até quis saudar-lhes com um bom-dia, mesmo que não quisessem me ouvir. Mas não lembrava, não lembrava de como falar com eles, não lembrava de como dar tal bom-dia. Aí, do nada, sentou-se do meu lado uma garota, conhecida minha, e ficou em silêncio.
E eu não lembrava de como era a voz dela. Aí percebi que tudo estava silencioso demais. Ela mexia os lábios com um sorriso grande, brincava com o cabelo enquanto parecia falar, falar e falar. Mas eu nada ouvia. Só via, e via. E nada ouvia.
Havia esquecido de ouvir? Mas então ela pousou a mão no meu joelho, e ainda assim tendo esquecido, senti seu toque e me sobressaltei. Era tudo muito novo. Tudo muito solitário e muito sozinho, e mesmo assim aquela criatura tão admirável continuava a falar, falar, sorrir, sorrir. E eu me quedei no meu silêncio, não lembrando de nada, não conseguindo lembrar sequer com grande esforço.
E aí eu acordei. Não havia nada para ser lembrado.
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