Eu tenho medo da madrugada gelada que me espera lá fora. Sim. Medo. Eu, uma mulher feita, formada e bem sucedida, com medo. Esparramada nos meus lençóis 180 fios de percal, numa cama king size box, com medo. Eu, com uma casa grande e bela, exuberante, com medo. Eu, com papéis me esperando em cima de uma mesa de um dos edíficios da Avenida Paulista, com medo. Eu, com 1.76, 60kg, cabelo castanho liso e longo, olhos azuis piscina e sutiã 46: com medo.
E dizer que a madrugada lá fora me amedronta. Que o barulho calmo da chuva me atormenta. Que o pio distante dos passáros me agita. Dizer que algo tão singelo é capaz de me fazer abraçar o travesseiro de penas. Dizer que o tapa-olho apeluciado não me privava de nenhum desses rivais, enquanto eu rolava de um lado para o outro, na cama, tentando me atirar no chão: em vão. A cama parecia grande de mais, imensa.
As coisas pequenas, as quais realmente importam estavam me esquivando de meu mundo pretencioso: eu tinha tudo, e assim não tinha nada. Mas que fiasco! E estou aqui agora, filosofando enquanto deveria estar dormindo. Porque afinal, dormir emagrece e também é bom para a pele. Mas não. Estou com medo. Estou sendo oprimida pela natureza! Certamente por que fui contra ela. 46 era o número do meu medo, imenso.
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